segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Vaidade Assassina

Ligou o chuveiro e sentiu com a mão a temperatura da água começar a elevar-se. Sentiu até perceber que estava bom o suficiente, quente a ponto de gerar vapor de água em dia frio. Retirou a mão da água e enxugou-a na toalha recém colocada no piso, ao lado da banheira.
Um banheiro grande, com azulejos brancos por toda a volta, e pisos de negro fosco. Sem pias ou vaso sanitário, somente uma grande banheira de quatro pés, sendo marfim a cor de seu azulejo e dourado a cor de seus pés. Cabia uma grande pessoa dentro, folgada deitada ao fundo, que fazia com que a água utilizada a cada banho fosse muita. A água saía de uma torneira em uma das pontas da banheira e sua válvula também era dourada. A água caía na água e o barulho era relaxante, assim pensava. Além da banheira, havia um grande espelho de corpo inteiro, na parede do lado oposto de onde ficava a torneira da banheira, de modo que a pessoa que ali se banhasse, pudesse olhar-se no espelho. O espelho era liso, sem desenhos ou adornos, sem contorno ou borda. Era apenas um grande espelho que parecia-se demais com uma grande porta. Talvez fosse uma porta, diferente das que conhecemos.
Olhou-se no espelho com demora, analisando os contornos da roupa em seu corpo, verificando como a luz da lâmpada branca deixava sua pele mais clara que o habitual e projetava sombras entre os vincos do tecido. Olhava-se com desejo por si, pois sabia quanto desejo causava aos outros e sentia também o mesmo. Sentia-se bela.
Saiu do banheiro e logo voltou, carregando consigo sais e produtos variados para o banho. Retirou cada peça de roupa lentamente, como se não houvesse mais nada para fazer no dia, olhando cada manchinha e saliência no corpo. Retirou sua blusa, sua saia, sutiã e calcinha. Nua, abraçou-se e sentiu o calor de seu corpo. A janela estava aberta, então o vapor criado pela água não embaçava o espelho. De costas para o espelho, adentrou na banheira quase cheia. Sentiu seu corpo responder ao estímulo da água e viu o calafrio chegando até seu pescoço. Seus ralos pelos ficaram todos eriçados, deixando seus poros todos visíveis. No espelho, via-se uma mulher nua, de menos de trinta e cinco anos, com um corpo definido e belo, mas com uma cicatriz em forma de cruz que ficava do lado direito das costas. A cicatriz não diminuía em nada a beleza da mulher, mas não deixava de conferir à pele uma saliência bem característica de queimaduras de ferro. Não levantou o rosto em direção ao espelho enquanto sentava-se de costas para a torneira, que já não estava mais aberta. Soltou um grande gemido de prazer pela temperatura da água e por estar relaxada e ali ficou sem pensar por um tempo, olhando sua imagem que fitava-a.
O som de uma andorinha que passava rente à janela retirou-a de seu transe e começou a observar seu reflexo no espelho.
Sua imagem estava fixamente olhando-a. Os cabelos negros ainda, em sua maioria, secos, porém molhados nas pontas, foram lentamente afundando, até que não se via mais nada vivo no espelho. Ficou alguns minutos debaixo da água, de olhos fechados, sentindo a pressão no peito e o barulho característico nos ouvidos. Subiu lentamente e seu olhar encontrou-se com o da imagem. Um olhar penetrante que não deixava transparecer qual era verdadeiro, qual era reflexo.
Olhou-se ainda um tempo, antes de perceber que a imagem do espelho começara a tremeluzir igual à água de sua banheira. Não entendeu de imediato, mas também não sentiu medo. A imagem simplesmente tremeluzia como em um grande lago. Como se toda a água de um lago fosse colocada na vertical, em um retângulo de vidro transparente. Apenas ficou olhando sua imagem disforme e móvel, agitada no lago de vidro. Observou o espelho até que tudo ficasse novamente fixo. Foi quando percebeu um sorriso de escárnio na boca do reflexo. Este sorriso não estava presente em sua boca, como constatara com a mão, mas o reflexo sorria de uma forma diabólica para ela.
Não sabia o que estava vendo, achava que estava em um sonho, mas sentia como se tudo fosse real. O Sorriso se transformou em movimento dos lábios, mas não saía som algum da boca do reflexo, apenas um rosto diabólico falando coisas que não seriam compreendidas, se não fosse pelas palavras que ecoavam em sua mente. Não era como se estivesse ouvindo alguém falar, era como se ela mesmo estivesse falando e vendo o que falava no espelho. Não entendia como era possível e levou as duas mãos à boca, para tentar não falar nada. De súbito, suas mãos foram paralizadas na altura do pescoço e em vez de fecharem-se sobre a boca, fechavam-se, agora, sobre seu pescoço fino e delicado. Achava tudo muito surreal, mas não emitiu nenhum som de desgosto, pois sentira que algo assim aconteceria. Enquanto estrangulava-se, ouvia em sua cabeça o que dizia para si mesma. Falava obcenidades para si em tom gutural, apesar de parecer que deveria sair um som agradável de sua boca. Maldizia toda sua família e todas suas decisões. Apontava seus erros e falhas e diminuía seus feitos. Não conseguia mais ouvir a voz e sua visão estava ficando embaçada. Não sabia se era por causa da fumaça, que saía das partes de seu corpo que estavam fora da água ou se eram suas mãos que definitivamente estavam matando-a. Já não ouvia ou via mais nada, mas lembrou-se de pedir clemência e implorar perdão.
Acordou ainda deitada na banheira, mas o banheiro estava todo embaçado. A janela fechara-se por causa de uma andorinha e o ambiente estava cheio de vapor. O espelho já não exibia nenhuma imagem e ela decidiu que o último espelho da casa deveria ser destruído. Quebrou-o e sentou-se para esquentar um ferro em formato de cruz. Era hora de mais uma penitência por sua vaidade.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Te Amo

Eu te amo. Só posso dizer isso. Não, não só isso. Acho que isso resume um texto todo, mas não explica nem de leve o sentimento. Eu te amo e consigo repetir isso indefinidamente, só por amar tanto. Eu te amo e acho isso tão revelador que parece que estou nu no espelho e totalmente só, com uma vergonha do tamanho do corpo. Amo e sei que não é passageiro, apesar de terem dito que é bom enquanto dura. Não penso nessas coisas, amo e só. Amo demasiadamente, e amo desmedidamente. Amo sem limite, já disse. Se pudesse escolher o quanto consigo me expressar, optaria por explodir em uma grande chuva de amor em você, que apesar de ser clichê, me parece bonito de ver. Parece que cada vez que tento te dizer o quanto sinto, as palavras ficam pequeninas e nem surtem efeito. Hoje em dia essa frase nem é tão importante, perdendo um peso gigante. Nós aprendemos a falar muitas outras coisas para poder explicar o que sentimos. Você é importante demais pra mim, talvez mais importante que todas as outras coisas e imaginar-me sem ti faz um mal terrível.
Você veio e ficou, e se instalou por aqui. Tomou conta de tudo e agora dói cada vez que sai para colher frutas. Mas que diabos isso de amor, é tão bom na presença e tão ruim na ausência. Te amo e te quero. Te quero bem, feliz, gostosa com a vida. Sorrindo para as árvores e rindo para o céu. isso me faz bem, pensar em você. Pensar em nós. Pensa no teu Amor.
Vamos lá, mais um dia juntos, vamos lá.

Manual de Irritabilidade Feminina

Abaixo um texto para mostrar o humor Machista. Lembro a todos que é PIADA, não REALIDADE, apesar de muita mulher e muito homem ler e achar que se encaixa em suas vidas.

Manual de Irritabilidade Feminina

As mulheres reclamam. Sim, não dá pra argumentar. É um dos jeitos delas que elas arrumam para se sentirem especiais. Você pode achar que se for bem bonzinho todo o tempo, não haverá problemas, mas não é assim. Mulher gosta da briga, gosta da discussão. Gosta de chorar e dizer que está tudo acabado, mesmo que seja por causa de uma toalha molhada em cima da cama, ou o pé sujo em cima do sofá.
Todas elas são assim, entenda camarada. Você não é o único a sofrer com este problema e também não é o único a se desesperar quando desatam a chorar por motivo que não tem nem idéia. - Mas ah! Você sabe muito bem do que estou falando! - E a choradeira volta a desabar. Talvez por isso dizem que são mais sensíveis, ou talvez por serem mais sensíveis é que causam este tumulto todo, mas o fato é que causam, e muito!
Um dia, o problema foi a falta de carinho. Outro dia, o problema foi o excesso de carinho. Um outro dia, foi o meio-termo, que é morno demais para ela, e assim todos vivemos, num eterno descontentar da mulher.
Estamos na maioria das vezes contentes com o que temos, mas elas teimam em sempre querer mais, ou menos, ou os dois, ao mesmo tempo, nos deixando malucos e sem chão. Existem os que desistem logo de cara, mandando tudo pro inferno e voltando pra cerveja e amigos, mas também existem os que tentam das formas mais loucas, suportar tudo isso e conseguir, no final, O SEXO, e o amor.
Somos culpados? Somos, mas tanto? De tão variadas formas? Acho que não, mas vai discutir com a sua em vez de dizer pra eu falar com a minha, aí vai entender o que é levar um tapa na orelha. Não, eu não discuto, eu simplesmente sintonizo uma rádio mental e fico concordando e dizendo 'sim' quando é necessário e pedindo desculpas ao final, fazendo-a acreditar que realmente estou arrependido. Oras, como poderia estar arrependido se sei que o problema é com ela, pelo menos dessa vez?! Não, eu que não sou louco de ir lá e falar: Olha, acho que a culpada é você! Prefiro manter os bagos no lugar devido.
Homem que reclama da vida não é homem, portanto, deve aguentar sua mulher e somente reclamar se algum outro homem reclamar antes da dele, isso é permitido. De qualquer forma, deve reclamar o mínimo possível, pois se está reclamando, é somente por ter escolhido ficar com ela, em vez de escolher uma vida de solteiro, indo de orgia em orgia. Problema é teu! Já basta a mulher reclamar.
Já que na maioria das vezes não poderemos reclamar, então o jeito é se divertir. Ela sempre ficará emburrada com algo, não importa o que você faça, então que tal dar algum motivo por conta própria? Pare de deixar ao acaso isso e comece a programar o que fará para irritá-la, assim saberá sempre contornar o problema. Elas não costumam reclamar de várias coisas ao mesmo tempo, pois se concentram bastante em um determinado problema, então assim você poderá garantir que tudo sempre estará no controle. Vamos lá.

Toalhas
Sempre deixe-as molhadas e espalhadas pela casa. Pode deixar bem amassada em algum canto, isso causa impacto máximo! Se possível, utilize a toalha dela. Faça-a buscar a toalha quando for tomar banho, pois assim ela irá ver que a toalha está amassada, molhada e com cheiro de mofo, se possível, deixe embolorar. Ah, não esqueça-se de esconder a sua, ela tentará fazer o mesmo ou pior.
A chateação que isso causará a ela poderá ser quase fatal para você, pois ela ficará amargurada por dias, talvez semanas. Tudo bem, ela não terminará contigo por causa disso, pois para ela, será um motivo pequeno para terminar, mas não para reclamar por muito tempo. O jeito é falar com ela com carinho, dizer que sabe que está errado. Prometer que comprará outra é um erro, pois ela irá escolher a de seda, mas se você aparecer com uma bonitinha e fofinha, ela voltará a ficar feliz. Não utilize deste artifício tão cedo após a briga, pois assim não terá graça.

Sujeira
Bem, esta modalidade é bem ampla, mas pode ser explicada com alguns pequenos passos. Sujeira se coloca em qualquer lugar, de qualquer forma, mas existem algumas que devemos citar, para dar como modelo. A sujeira do pé é a mais fácil que podemos citar, pois basta você andar sem sapato por alguns minutos e a receita está pronta. Agora basta sentar-se no sofá, ou na cama, para maior impacto, para vê-la começar a reclamar. Ao começar a reclamar, comece a limpar o pé, mas faça isso ainda em cima do sofá, assim a sujeira cairá no sofá e ela ficará com mais raiva ainda, soltando fumaça pelas ventas. Outro modo de irritá-la com sujeira, é ajudando-a na faxina. Ao se oferecer para a ajuda, mostre-se prestativo, mas na limpeza, mostre-se um porco de marca maior, varrendo tudo sem jeito algum e jogando sujeiras embaixo do tapete, certificando-se que ali fique um montinho bem perceptível. Essa técnica pode ser utilizada por semanas antes de realmente dar algum efeito, mas é devastador, pois ela verá o quão inútil você é e isto dará muito motivo para briga. Alguns acham que se ficar sem tomar banho, e não tratar o corpo de modo correto, pode se ligar a esta categoria, mas isso é besteira, pois fará com que ela não queira chegar perto de você e também não queira realizar o ato sexual, que é benéfico para todos, na paz e na guerra. Talvez você possa utilizar deste artifício para sair e jogar bola com a galera, tenho que pesquisar.
A situação pode ficar bem grave por causa dessa modalidade, mas se você se mostrar limpo por algumas semanas após, tudo estará bem e você poderá a voltar a usar essa categoria depois.

Família
É certo que ela irá reclamar da família determinados dias, e é aí que você poderá atacar. Ouça tudo com carinho e comece concordando com ela, deixando claro que está de seu lado. Após isso, insinue mais coisas contra a família dela, expondo sua opinião sobre o assunto. Após isso, ataque ferozmente com tudo que estiver ao alcance. Fale mal da mãe, do pai, dos irmãos, do cunhado, do gato e de todo o resto. Ofenda a família toda, assim ela vai começar a ter sentimentos pró-família e logo estará aos berros contigo, pois somente ela pode falar mal da família. Quando a briga começar, diga que ela falou estas coisas e sempre dê a entender que não sabe o motivo de ela estar tão brava.
Esta técnica é bem simples e extremamente eficaz, além de causar pouco impacto em relação a ela querer terminar contigo, pois opiniões mudam-se fácil.

Aparência
Aqui mora o real perigo das discussões. Ela passará a maior parte do tempo reclamando de sua aparência, então será meio caminho andado para você irritá-la. Apesar de não precisar falar nada na maioria das vezes, comentários sutis fazem um estrago absurdo. Experimente, ao vê-la perguntando sobre se está gorda ou não, demorar para responder alguns segundos que não. Verá aí uma discussão em formato pronto. Também poderá olhá-la de modo estranho, perguntar se realmente sairá deste jeito, ou rir disfarçadamente quando ela não estiver prestando tanta atenção. Como disse, sutilezas mortais. Dizer que ela está feia somente trará o orgulho dela a tona e ela falará que você não entende nada de moda, ou de gosto, ou que muita gente a quer, menos você.
Utilize-se desta modalidade com extrema precaução, pois existem casos de meses de problemas por causa dela. Não é indicado para fracos do coração ou pessoas que não sabem se sair bem em relação a controlar sua mulher através do carinho e do amor.

Outras Mulheres
Ah, o prazer de irritá-las com outras mulheres. É aqui que me esbaldo, pois é o mais fácil. Precisam ser bonitas? Não. Precisam ser gostosas? Não. Precisam gostar de você? Não. Bastam existir e estarem em seu telefone/msn/orkut/facebook/myspace/blablabla. As mulheres detestam competição e sempre irão arrumar briga por causa disso. Elas são ciumentas por natureza. Não ciumentas por você, mas por elas mesmas. Por isso quando são ameaçadas por outra mulher, ficam tão na defensiva. Ela irá te chamar dos nomes mais terríveis do mundo. Esbravejará. Tentará romper contigo. Destruirá sua vida se você deixar. Mas, e sempre tem um mas, se você dominar todas as técnicas acima, essa será a mais recompensadora. Você nunca poderá declarar-se culpado, nem deixar isso transparecer. Seja sempre carinhoso e sempre diga que nada acontece entre você e as 'vadias', como ela as chamará. Diga que são amigas e que não tem nada a ver. Faça-se de desentendido o tempo todo. Isso vai irritar mais que tudo e assim você alcançará o extremo do nervosismo feminino.
Nesta modalidade, todo cuidado é pouco e você terá que fazer tudo bem certinho para que nada saia errado. Planeje, é a alma do negócio.
Observação: Se possível, não faça besteira realmente, pois ela pode acabar descobrindo de uma forma ou outra. Tente apenas fingir fazer.

Atenção
Mulher adora chamar a atenção. Sua, de outros e até dela mesma, quando se olha no espelho e se espanta com a beleza. Deixar de prestar atenção em sua mulher é um erro na maioria dos casos, mas não é se for bem medido. Uma mulher ficará com muita raiva se você simplesmente ouvi-la sem dar a mínima atenção. Abuse dos 'sim, sim' e dos 'aham', você vai deixá-la louca. Ela provavelmente irá te perguntar sobre o que estava falando e se você não souber, provavelmente terá um bom tempo de discussão sobre o assunto. Existe uma submodalidade deste assunto que também deve ser analisado. Se você quiser ficar menos tempo na discussão, faça o que disse, mas ao contrário de não dar a mínima atenção, finja não dar atenção, mas dê. Preste atenção a tudo que ela falar e não deixe de ouvir nada. Assim, quando ela começar a soltar os cachorros em você, apenas espere ela explodir e calmamente repita tudo que ela disse. Ela ficará sem ação e a briga terminará por aí. Digamos que essa submodalidade seja um petisco de irritação.

TPM
Bem, deixei este por último, pois é o mais clichê e também por se conectar com todas as modalidades acima. Todo mundo conhece a TPM feminina. Alguns conhecem mais cedo, outros mais tarde. Depende de muitos fatores, mas todos sabemos como é. O que fazer para irritar ainda mais? Jogue toda a culpa na TPM! Você fez merda e ela briga contigo? Fale que a culpa é a TPM dela. Ela briga com você do nada, jogue a culpa na TPM. Tá sem fazer nada, jogue a culpa na TPM! É engraçado, elas ficarão com raiva, mas também ficarão pensando se realmente é culpa da TPM. Essa vem de brinde pra vocês.
É perigoso fazer isso? Sim, ela pode realmente terminar contigo e provavelmente terminará, mas após passar a TPM, ela verá que estava fora de si e voltará(ou não).

Bem, estas são algumas dicas de quem vos fala e acredito que serão bem úteis, uma vez dominadas. Peço para que todos os Homens leiam este pequeno manual e passe-o para os amigos, pois é de muita valia para nossa sobrevivência neste mundo confuso feminino, pois se elas irão se irritar de qualquer forma, que seja do nosso jeito!
Mulheres, tentem entender que apenas amamos vocês e queremos conviver pacificamente com sua mania fixa em nos culpar por tudo no mundo.
Ah, mais uma coisa, mande para sua mulher este manual. Tenho certeza que ela irá brigar contigo por um bom tempo.

Assinado,

Anônimo que preza a sua vida

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Histórias da Terra

Tic,Tac,Tic,Tac. Assim começa a bater o Relógio da Terra do Nunca. Um relógio que não batia há séculos e que por isso mesmo mantinha a idade de todos estacionada no tempo.
Longe dali corria pela selva um garoto. Peter Pan.
Ao ver os ponteiros do relógio da Terra do Nunca correndo, Peter começa a perder seus poderes, suas brincadeiras começam a parecer sem graça, seu humor muda, seus braços e pernas começam a crescer, ele já nao voa mais e é obrigado a pensar em um jeito rápido de parar o tempo novamente, ele não gostava da idéia de crescer.
Minutos passam enquanto seu raciocínio fica mais agudo, idéias surgem mais rapidamente e isso torna os problemas um pouco mais fáceis. O ar adulto mostra que existem coisas boas quando se cresce.
Suas lembranças o levam a pensar em lendas antigas.Algumas diziam que existia um relógio que podia parar todos os outros novamente, mas que seu paradeiro era incerto.
Peter procura o relógio enquanto o tempo corre por suas veias.Corre pelas selvas, nada pelos oceanos e voa acima das nuvens com a ajuda dos pássaros e, após procurar por todos os lados e não encontrar nada, o garoto que nunca cresce se desespera e senta em um lugar no chão de sua Terra tão maravilhosa.
Agora, sem Wendy, tudo parecia tão mais difícil de fazer,tão mais impossível.
Sua lembrança dessa menina o leva a pensar. Pensar sobre tudo que passara e tudo que ela mostrou para ele. Por mais incrível que seja, ele descobre que seu relógio estava mais perto do que pensava. Um certo crocodilo o tinha em seu estômago e o carregava para todos os lados.
Como o vento, Peter corre em direção ao animal e sem pensar se atira nas entranhas do feroz.
Suas mãos alcançam um pequeno objeto que reluz um brilhante ao entrar em contato com Peter. O vento muda de direção, o navio do Capitão Gancho é levado para longe, nuvens se dispersam em uma agitada tempestade.
O crocodilo pára por um momento no tempo e Peter é levado a uma clareira perto do relógio central da Terra do Nunca.
Ele vê que o relógio parou novamente e começa a pensar em tudo que vivera até o momento.Tudo que aprendeu, como cresceu. Seus músculos já não eram mais juvenis. Idéias ferviam em sua cabeça e ele tinha uma nova visão das coisas.
Ainda sentado, sente uma mão em seus ombro, uma mão feminina e sensível.

A Terra do Nunca mudou,Peter cresceu e talvez agora, ele não estará mais sozinho...

Teoria Do

Hoje estava andando em direção à minha empresa quando fui surpreendido por uma borboleta batendo suas asas em volta de mim. Enquanto eu andava ela ia me seguindo e me espiralando, com suas asas amarelas e marrom.
Era uma coisa linda de ver. Ela tão inocente, buscando algo em meu corpo que completasse o dela.
Subitamente, num impulso, bati minhas duas mãos em seu frágil corpo, esmigalhando qualquer traço de que um dia esse ser, esse resto, fora uma borboleta.

Assim, satisfeito, continuei andando e mais feliz pensei comigo nos milhões de vidas salvas do outro lado do mundo.

Caos.

E não é que minha mãe estava certa?

Escorreguei com a tesoura na mão e no olho ela pegou
Agonizante, estendido no chão
De boca aberta quando a mosca entrou

Tentei não aceitar a ajuda de estranhos
Mas fui Levado ao hospital pelo Homem do Saco
Lá estava com a Cuca, com a Minha cuca doendo
Acho que não irei ganhar presente de natal.

Nada se cria, tudo se copia
E Chorando Copiosamente lembrei da frase preferida de mamãe
Chorando por um olho
Não com o sadio, mas com o rasgado na Tesoura
Sabia que dali por diante nunca mais
Nunca mais escolheria Tesoura no JóQuemPô

Que adianta fazer Muquê pro Tio sem um olho?
Aonde estavam os Amigos do Quem Avisa?
Não, ninguém queria brincar com o Cíclope.

Senhor das Palavras

Colocou o dvd na vitrola
Ajustou a Bermuda larga de lycra
Apertou bem os cadarços da havaianas
E começou.
Primeiro, arrastando os pés levemente
Gradativamente aumentando a velocidade
Girava em torno de si mesmo
Movimentando-se de todo jeito
Tentava descobrir qual movimento lhe faltava
Enquanto isso o sangue borbulhava
As letras abaixo da pele começavam a se agitar
E os poros se dilatavam
No ápice da dança enigmática o momento tão esperado
Tudo Girava. O Som era ensurdecedor. Ele Arfava.
E palavras brotavam da pele, escorrendo para o chão limpo
Soldado justo caiu cansado ao solo
E permaneceu até o fim do espetáculo musical
Só depois, refeito dessa explosão, conseguiu levantar
Ajuntou todas as palavras caidas ao chão e sorriu contente
Quase não conseguiu entregar no prazo mais uma matéria

De Interrogações e Labradores

E foi um labrador que despertou seu olhar. Cachorro bonito, de quem será? Qual o motivo das pessoas sempre pensarem que são donos de animais? E, correndo pelo parque, apareceu uma menina. De um domingo de manhã era tudo que ele esperava. E era essa menina que ele esperava. Pedaço de felicidade que ele não sabia descrever, como se um ponto de interrogação subitamente começasse a achar-se dono de labradores e saltitasse entre folhas caídas só para ouvir o barulhinho quebradiço que elas fazem quando são pisadas. Com olhar indagador, que só um ponto de interrogação pode fazer, a menina descobriu seu admirador e logo deu um jeito de puxar papo com ele. Imitando as amigas de suas mãe, começou falando que o tempo estava muito ameno, seja lá o que fosse ameno. Achando graça disso, ele a respeitou como ela gostaria e logo estava perguntando se ela vinha sempre ao parque com seu cachorro. Prontamente a menina, em tom forte, disse-lhe que este não era seu cachorro, mas que o cachorro é que era seu dono. Minutos passados e os dois já brincavam juntos como bons amigos. Ela correndo de um lado a outro e ele tentando acompanhar, mesmo sabendo que a idade já não permitia que seu espírito serelepe tomasse conta de seu corpo. Brincaram durante todo o dia e durante toda a tarde, quando sua mãe veio buscar-lhe. Ela perguntou-lhe o motivo de estar suando desse jeito e ofegante. Ele nada disse, e junto de sua mãe, foi embora, deixando sozinhos o grande labrador e sua pequena menina de rua.

Revoada

Acordei doente. Será que, quando estava dormindo, já estava doente? Ou somente com o despertar que o mal estar aparece? Divagações sobre o assunto me fizeram pular da hora de acordar até a hora do café da manhã. Como cheguei aqui? Não importa. A irritação continua, tal qual garfos em quadro negro, tal qual colocar chinelos havaiana com pés trocados.
Você se ilude que com o tempo as coisas irão mudar, que vai conseguir deixar de pensar nessa coisa chata no estômago, mas nada muda. Você passa horas, enquanto o professor discute sobre as grandes descobertas feitas no Amazonas, pensando como é que isto foi acontecer e não acha sentido em nada que lhe aconteceu.
Em alguns momentos da vida, ocorre um fenômeno engraçado chamado Slow Motion. Tudo fica lerdo por um momento e um som de Tchatchatchatcha no fundo gera uma trilha sonora perfeita para você conseguir ver todos os detalhes que lhe escapariam se tudo corresse normalmente. Foi isso que percebi quando chamavam pelo meu nome alguns médicos. Muito sangue vertendo de minha barriga, muita agitação na sala de cirurgia. Passei por todas as cenas como quem assiste sozinho a um filme. Vontade de contar para alguém, mas sem ninguém para contar. Se eles soubessem o que aconteceria, não teriam feito nada.
A sorte já tinha sido lançada a um tempo atrás, quando decidi que ela seria o Ela principal da minha vida. No começo o mal estar era pequeno. Porém, com o tempo, foi tomando proporções absurdas e tive que me conter. Esse ato de me conter acabou gerando um pequeno momento de loucura e eu, não agüentando mais a situação, resolvi acabar com essa existência patética que chamava de vida. Com todas as forças a amei, fiz de tudo para elevar meu sentimento ao máximo e assim estou. No momento do pensamento alguns médicos tentam abrir meu estômago para retirar objetos estranhos não identificados. Dou meu último suspiro no mesmo momento que uma grande revoada de borboletas brancas irrompe de meu ventre. Minha maldição, minha solução.

No Reino da Lascívia

E vi Desejo pela primeira vez ao acordar por causa de uma brisa suave, no meio de uma noite perdida no esquecimento. Seus olhos me encaravam por entre cortinas que mais pareciam lençóis tremulando. Olhos dourados que fitavam me corpo descoberto, fazendo-me corar até as plantas do pé.
Aos poucos fui acordando e dando sentido às coisas, o medo nunca tinha dado lugar à curiosidade tão rápido, fora a primeira vez.
O quarto permanecia escuro, apesar da leve luz da lua, que penetrava por detrás da imagem do invasor e fazia com que tudo ganhasse um tom azulado.
Minutos se passaram, enquanto meu coração batia na mesma cadência do relógio, incessante, resoluto a continuar pela eternidade, até que descobri que começara a invadir mais do que o Reino da Lascívia e também invadia o Reino do Sonho. Tudo ficou escuro. Não me lembro de mais nada.

Não pise na grama

"Não pise na Grama". Era o que estava escrito na plaqueta, quando cheguei no parque. Sentei em um banco qualquer e fiquei aproveitando meu recém-comprado lanche de mortadela. Enquanto dava mordidelas em meu saboroso lanche sabor mortadela, comecei a falar pausadamente a frase da grama, aquela que fala para não pisar nela. Nela, a Grama. Enquanto dividia as palavras com o lanche, ou o contrário disso, percebi o movimento que as graminhas da Grama faziam quando os sopros de Vento batiam-lhes as faces. Algo bonito de ver, todas elas se movimentando em conjunto. Todas verdinhas e apontando para o céu, achando-se o máximo por poder balançar de um lado à outro com a proteção do governo de que ninguém pisaria-lhes o corpo. Estavam tranquilas. Quando dei por mim, só restava um pedaço de alumínio em minha mão, que educadamente joguei em uma lata de lixo. Lata que provavelmente iria ser jogada um dia com todo o lixo acumulado que pensamos estar reciclando ao jogar em uma lata de lixo qualquer. O Lixo não some, nada some. Olhei novamente para as graminhas e decidi vê-las de perto, pois havia um quê de convite em seus movimentos. Levantei-me do banco, tomando cuidado com um ciclista desavisado, que insistia em olhar a parte traseira de alguma moçoila que também insistia em usar lycra, mesmo sabendo o quanto isso provoca acidentes por todo o Globo. Segui em direção ao gramado e ultrapassei a cerquinha do aviso mortal que dizia "Não Pise na Grama". Tarde demais, havia pisado. De alguma forma, pensei que sentiria alguma coisa, mas acabei por não sentir nada. Talvez fossem os sapatos, que nos separam grandemente do contato com a Terra, a terra. Descalcei-os e fiquei mexendo os dedinhos na grama, tal qual você faz quando toca a areia da praia com os pés. Estava eu mexendo dedinhos no grande mar verde que se prolongava até onde a mente tem vontade de lembrar. Estava eu sobre o mar, andando no mar. Sentei na Grama e brinquei com as graminhas. Deitei-me na Grama e as graminhas brincaram comigo. Fiz anjinho de Grama e descobri que não é nada igual a fazer anjinho de neve. As graminhas não gostam dos anjos. Tampouco dos demônios, creio. Olhei o céu e pensei ver uma nuvem em forma de Grama, mas era apenas uma graminha em meu óculos, fazendo-me rir. Ri até ficar sonolento. Adormeci no mar, velejando no verde das nuvens do sono. Viajei por lugares que não lembro, mas que me fizeram acordar com um sorriso no rosto. Acordei também com ela ao lado, deitada sobre mim. Aninhada em meu peito. Quem era? Quem era? Não queria acordá-la. Apesar de ser uma total estranha, não se acorda pessoas aninhadas em você desta forma. Seja educado, já dizia minha Mãe. Tentei mirá-la de soslaio, pois também aprendi a não encarar as pessoas. Isso foi meu Pai que ensinou. Mas acabei por encará-la descaradamente. Nunca obedeci meu Pai. Olhei seu cabelo dançando em meu corpo, ondulando sobre mim. Admirava cada detalhe de seu rosto. Uma sobrancelha que seguia o caminho de seu rosto, à encontrar o começo do nariz, que tinha um formato de bolinha, nariz de criança. Não vi muito dos olhos, pois estavam cerrados, mas batia-me mais forte o peito cada vez que pensava no momento do despertar. Sua boca entreaberta fazia-me lembrar dos morangos com creme de leite da infância, quando minha vó fazia sobremesa. Era delineada e possuía aqueles levantadinhos nos cantos, como se fosse esboçar um sorriso a qualquer momento. Algumas pintinhas aqui e acolá e uma pele muito bonita. Há quanto tempo estava observando-a? Mexi com as graminhas com a mão esquerda, enquanto afagava seu cabelo com a mão direita. Estranhamente, a sensação era a mesma. Era o mesmo mar de verde em minhas mãos, em meu corpo. Olhei para o céu, vi nuvens em forma de menina e de graminha, fundiam-se enquanto lentamente fechava meus olhos. Adormeci sentindo o quente de seu corpo. Despertei. Já não há menina, apenas graminhas em ambas as mãos. O que aconteceu? Um sonho? Pesadelo? Pesadelo não, pois eu muito gostei. Sonho. Tão real, seus cabelos em meu verde mar. Levanto-me aturdido do que acontecera. Saio do gramado e calço os tênis. Leio na placa "Não pise na Grama" e entendo o significado de uma forma diferente. "Não pise na Menina", leio eu. Sento no banco, penso alguns minutos. Imagino seu calor em meu corpo. Ainda que imaginário, é bom. Levanto-me e sigo o caminho de casa, mas não sem antes retirar o Alumínio do Lixo que irá pro lixo. Guardo-o. No Parque, o mesmo ciclista machuca o joelho ao dar com uma árvore. No Parque, a mesma moçoila ajudando o ciclista machucado. O som de um navio e a luz de um farol. No Parque, a mesma plaqueta. "Não pise na Grama".

Desenhos em Época de Guerra

O céu cinza cheirava a metal queimado e retorcido. O vento trazia de não tão longe o odor característico de tempos como este. Cheiro de fábricas, de máquinas, de guerras. A cor avermelhada no horizonte clareava a noite mais escura e também os rostos de desespero, perdidos na escuridão. Ninguém prestava atenção uns aos outros quando ouvíamos as explosões ao longe. Era quando eu mais gostava de vê-los. Suas bocas entreabriam para soltar suspiros que as vezes nem vinham. Os olhos se arregalavam e secavam rapidamente, forçando-os a fechá-los em seguida. O cansaço era visível e eu me deliciava em poder traçar-lhes toda a extensão da pele, enquanto o caos reinava imponente. Com a prancheta de papéis desenháva-lhes a feição e corria para mostrar ao meu pai, que sempre puxava o papel e jogava na lareira. Minha diversão se completava enquanto via seus rostos queimando na fábrica de fogo improvisada que meu tio preparara dias antes de viajar para o leste, de onde apareciam os clarões noturnos. Meu pai quase nunca falava de meu tio e meu próprio tio também não. Ele passava longas horas fumando um cachimbo na sacada do terceiro andar, apartamento da senhorita Luíza, que me dava doces por pintar retratos seus. Seu sorriso era o mais difícil, pois mudava a cada risco no papel e eu tinha que redesenhá-lo várias vezes. Eu nunca terminava os retratos. Ela liberava-me assim que via os olhos desenhados e eu tentava fazê-los o mais detalhados que podia, assim ganhava muitos doces para levar à quitanda do senhor Rodrigo, para vender e poder comprar um pouco de comida para mim e minha família. As grandes balas de jujuba eram as que valiam mais. Sua cor forte e a transparência de caramelo faziam-nas parecer grandes bolas de gude, prontas para disputar um campeonato de meninos, como os que ocorriam antes de meu pai tornar-se um homem sério. Antes de termos de sair de nossa antiga casa, sem poder levar nem o Bandit, nosso cachorro de estimação. Meu tio não conversava muito com a senhorita Luíza, mas vivia olhando-a de longe, como quem tem medo de falar algo indevido. Ela retribuia-lhe o olhar pouquíssimas vezes, mas cada vez que o fazia, transformava a boca triste de meu tio em um largo sorriso. Nunca consegui captar este momento, apesar de tentar por várias vezes reproduzí-lo de cabeça. Tentativas falhas. Quando meu tio partiu, Luíza não deixava-me mais pintar seu retrato e dizia-me que o olhar que eu desenhava não era mais o dela. Com isso parei de receber os doces e comecei a trabalhar na fábrica de meu pai. Eles faziam grandes máquinas para a Guerra. Máquinas de metal queimado e retorcido, às pressas. Passei cinco anos operando uma máquina que torcia metais em espirais, para grandes peças de engrenagens, até que em uma pausa de almoço um dos supervisores viu-me desenhando os rostos dos trabalhadores descansando. O supervisor não entendia os desenhos de pessoas, principalmente de meu pai, comendo apressadamente do outro lado do pátio um lanche qualquer, rodeado de outros pensamentos apressados. Ele entendia sim de desenhos de máquinas e colocou-me para treinar alguns esboços. Rapidamente aprendi a desenhar todos os metais que via na fábrica e logo comecei a criar alguns, dando asas à pássaros que não foram feitos para voar. Meus desenhos passaram de rabiscos à obras meticulosamente calculadas e analisadas por diversos times. Passava horas em meu escritório desenhando os grandes pássaros, peça por peça. Meu turno terminava no final da tarde, mas as vezes ficava até o nascer do Sol, criando e recriando. Secretamente, mantia o hábito de desenhar pessoas, com curvas majestosas e de sentimento explícito. Quase não via meu pai, mas aproveitava para roubar-lhe sentimentos em horas oportunas, como os intervalos da tarde, quando podia desenhar-lhe como queria. Em casa, era bem recebido por minha mãe, mas quase nunca por meu pai, que relutava em ver e falar com seu filho, destreinado para a luta, desenhando confortavelmente em uma cadeira acima dos outros funcionários. Ele sempre dizia que os desenhos trariam-me ruína. Após meses desenhando para nosso governo, foi ficando claro que não estávamos mais avançando e aos poucos fomos obrigados a parar de produzir as armas de guerra, em detrimento da excassez de alimentos, salários e roupas. Meu departamento foi o último a ser fechado, pois eu produzia trabalhos que podiam ser reaproveitados em outra frente. As noites solitárias na fábrica deram-me impulso para minhas melhores criações, específicas para a destruição rápida e eficaz de todo tipo de alvo. Nesta mesma época a notícia da morte de meu tio chegou à família, causando tristeza por todo o bairro e especialmente para a senhorita do terceiro andar, que já não saia mais. Com a morte de meu tio, era obrigatório o envio de outro membro da família à frente de guerra, mesmo sendo alguém inexperiente. A escolha era óbvia, eu teria de ir. Foi-me dado um fardo com roupas camufladas e também um fusil e meu treinamento começaria assim que conseguisse chegar no campo de batalha. Preparei-me da melhor forma que pude e escrevi este texto, para que minhas memórias não vivessem apenas comigo. A ele, anexo um desenho de um dos olhares de Luíza, que não consigo mais captar como captava, mas que não sai mais de minha mente.

O Cubo

Era um cubo. Um cubo e seu ocupante.Eram os dois completando um ao outro. Conteúdo vivo dentro de objeto inanimado. Paredes, teto e chão que acolhiam com desejo todo os músculos e ossos de seu interior.
Aos poucos o que era cômodo começa a transformar-se em incômodo. O Cubo começa a diminuir de tamanho, ano a ano ele se fecha em si mesmo e no seu interior o ocupante começa a se sentir desconfortável. Após alguns anos o interior já está todo mudado, não é mais possível ficar em pé e quase não dá para ficar agachado. Mês após Mês diminui, mês após mês se encolhe no canto de seu cubo. No fim do terceiro ou quarto ou quem sabe quinto ano o ocupante já está todo encolhido no canto. Sua respiração fica ofegante. O ar fica viciado. Aquele calor o faz suar e se desesperar. O cubo não possui portas, o cubo não possui janelas, o cubo não possui nada alem de suas paredes ásperas. Aperta, aperta. Ele já não consegue mais se mover, o cubo comprime seu rosto nas pernas, suas costas estão arqueadas e doem, músculos que não se movem a meses sofrem espasmos e a dor é quase insuportável. Crack, uma costela se parte, com a dor um grito de desespero se abafa no ar que já quase não existe. Qual o motivo disso? será que não há fim? Ele só queria morrer. Não, não irá. Sofrerá até o último instante. Sangue no pulmão e com seu próprio se embebeda. tosses, cospe sangue, e agonia. Enquanto puder, eu irei apertar esse cubo e ele sofrerá. Sofrerá tudo que tem para sofrer e não descansarei, farei reviver e em um cubo colocarei. Ano após ano. Sempre.

Botão de Camisa Mal-Passada

É um bom jeito de começar a escrever, creio eu.
Sempre é bom jogar algo completamente estranho para o leitor para que, ao se chocar com essa idéia absurda de alguém ser um botão de camisa e ainda por cima de camisa mal-passada, aceite mais facilmente as realidades ligeiramente fantasiosas do escritor do drama humano. Quem nunca ouviu relatos sobre o menino que diz para mãe que engravidou uma menina e depois conta que foi mal na escola apenas. O fato é, que logo depois de um choque forte, um de 110 não chega a fazer mais que cócegas.
O drama humano apresentado seria o de um homem que luta para que sua família o aceite como é. Ele não é homossexual, não está apaixonado por uma Julieta e também não faz parte de nenhuma seita. Ele é apenas um cara comum em uma família incomu que não o aceita como é.
Sua família, grande e descolada, veio da geração de sessenta e é considerada extremamente alternativa. Seu pai, grande professor de universidade, profissa filosofia e sua mãe, pequena botânica, maconha seus supostos amigos. Irmãs não tem, mas possui um irmão que circula todos os points artísticos de São Paulo a procura de diversão a três.
Não tem problemas eles, mas também não concorda com seus atos. Ele gosta mesmo é de ouvir pop na rádio preferida da juventude e adora passear no shopping e comprar roupas de surfista.
Sua família o rejeita como quem aceita um pedaço de queijo fétido, torcendo o nariz e agradecendo com sorriso amarelo. Não entendem como um dos seus conseguiu adquirir gosto tão estranho para a moda, que aliás, diz ser dos lenços nessa temporada.
Sua mãe oferece maconha a seu filho mais novo e ele diz não interessar, seu pai discorre sobre Sócrates e suas perguntas e o menino só consegue esboçar um "o quê?", a la Sócrates, tímidamente. Seu irmão o convida para uma festinha só de meninas e ele recusa, achando tudo muito nojento.
Não conhece ninguém igual a ele. No centro de sua cidade só existem pessoas alternativas, pessoas diferentes e ele se sente diferente das pessoas diferentes. Ele se sente como um botão de camisa, uma camisa mal-passada e da qual não queria fazer parte.

Chão de Estrelas

Eu estava andando na rua, lá pela área da Mooca, quando fui chamado de canto por um velhinho que estava sentado em um desses bancos na frente das casas, que é coisa bem característica do local. Ele me chamava de 'meu jovem' e pedia para que eu fosse falar com ele. Ele estava com um gatinho no colo, ronronando alto demais, como se falasse obrigado pelos carinhos. Como não estava atrasado para nada, achei interessante ir descobrir o que ele queria e lá fui eu.
Ele me cumprimentou e perguntou-me o nome. Após as apresentações, Seu Juca me perguntou se eu sabia o que eram aquelas tampinhas gastas, no asfalto. Disse-lhe que nunca nem reparado nelas tinha. Ele então começou a contar uma história antiga, mas que certamente lembrava-lhe boas coisas, pois ele sorria ao contar.

"E lá pra antes da segunda guerra, eu como um bom jovem que era, não me misturava com coisas ruins, como bebidas ou brigas. Vivia brincando com os amigos e não prestava para muita coisa, mas certamente não fazia nada errado. Ao fim de uma tarde, guardei meus brinquedos e parti para casa, todo sujo e suado. Ao passar por uma casa, vi o rosto dela pela primeira vez. Uma moça olhando-me pela grade de um portão, com uma curiosidade acima do normal, fazendo-me corar da cabeça aos pés. Desviei o olhar e parti correndo para casa, sem olhar para trás, morrendo de vergonha. Nos dias seguintes, não consegui mais vê-la e assim passou. Logo tornei-me adulto, e os brinquedos ficaram guardados, enquanto passeava com as meninas pelo bairro. Era uma vida boa, antes da guerra, sabe?
Quando as bombas começaram a cair, lá em Londres, nós tivemos que escolher entre servir ou ficar. A força expedicionária já tinha partido pra Itália e existia muitos cargos na Marinha, desde oficiais de comunicação, até limpadores de convés. Como na época o patriotismo era bem maior, meus amigos e eu decidimos sair de nossas casas e nos alistar para sermos a base da pirâmide. Seriamos os braços-de-força da Água. Não tenciono aqui mencionar como foi servir, já que nem participamos direito de Guerra alguma, mas os dias no mar deixavam-me feliz. A brisa soprava-me o rosto, enquanto o Sol queimava-me a nuca e o serviço ocupava-me os braços. Servimos por um ano e meio e neste tempo ganhamos muita massa corporal e experiência. Por fim, era hora de voltar para casa e rever familiares e amigos.
Este tempo todo no mar deixara-me confuso sobre como seria voltar para casa, mas caminhava pelo bairro como se ainda tivesse meus quinze anos. Andava pelas ruas lembrando-me de como era cada rosto familiar, mas as ruas estavam desertas. Passava pelas casas e demorava-me, como se delas as pessoas fossem sair. Chutava predras quando ouvi um assovio. Ao olhar, estremeci. Era ela. A moça da infância havia se tornado uma mulher, mas não deixava de apresentar o mesmo rosto e sorriso, apoiada na grade. Tremia, mas não queria sair correndo como na infância, então fui em sua direção e perguntei-lhe o nome. Ela nada disse. Apenas assoviava uma canção triste, enquanto a lua iluminava-a e dava um toque de azul à sua pele. Ficamos um bom tempo apenas nos olhando, antes que ela começasse a falar de uma história em que os marinheiros recém-chegados à costa bebiam em comemoração à vitória e às suas amadas e despejavam tampinhas de garrafas em suas homenagens, na frente de susas casas, para assim conquistá-las. Após contar a história, ela virou-se e deixou-me só, na frente de seu portão. Eu já sabia o que fazer."

Após contar este trecho, ele disse-me que estava tarde e que deveria entrar, mas não sem antes mostrar uma fotografia de uma bela jovem, cercada nos pés por pequenas tampinhas de garrafa. Deixou-me com o gatinho e eu pude enfim perceber que o chão todo estava crivado de tampinhas foscas e que elas ocupavam toda a rua, até onde a vista alcançava.

Diário de um Careca

O Começo

Estava livre, todos aqueles quilos de cabelo tinham ido embora, com eles, toda minha esperança de ser reparado pelas pessoas por ter um cabelo bonito.
Livre, pois ter cabelo implica em diversos grilhões, shampoos, condicionadores, pentes, tempo em frente a espelhos, olha daqui e olha dali. Tempo perdido fazendo arte com cabelo.
Nada mais tinha na cabeça quando decidi pegar a tesoura e cortar a auto-estima só pelo prazer da experimentação. Olhando meu reflexo segurando a tesoura, incorporei outro Eu e com delicadeza fui separando cada mecha do cabelo, cortando pedaços de mim que fariam falta um dia. Vendo-as se separar de mim, bateu aquela onda de arrependimento de ter feito algo errado, mas já não tinha volta e em frente fui, deixando ralo o cabelo que um dia fora extenso. Com a gilete comprada para depilar as pernas de minhas irmãs acabei com o que ainda sobrava, ouvindo o barulho característico da dor capilar sendo raspado de mim.
Agora mirava um ser diferente, um novo eu que teria que aguentar para colocar em prática o que estava determinado a fazer.

O Plano

Como será a vida de um careca que não era careca? Verei a cada dia como esse novo mundo se abre para mim.

1º Dia

Acordei já pensando na besteira que tinha feito. Que idéia idiota a de raspar a cabeça, como ia sobreviver com todas as pessoas me olhando de forma estranha? Escovava os dentes enquanto passava a mão no topo nu de mim mesmo. Branco, branco e feio. Era como definia.
Ao sair de casa um vento gelado me arrepiou cada pedaço de ser, como alguém conseguia andar na rua desse jeito? Por causa da maldita experimentação prometi não usar nenhum adorno que escondesse o que queria e implorava esconder.
No ônibus que pego para ir até o metrô veio a primeira chacota, um garotinho que estava com a mão não escondeu a risada após ver o "Dr Pimpolho" em carne e osso. Maldito menino.
Chegando ao metrô me senti mais confiante, tinha muita gente preocupada com seus próprios umbigos para perceber minha careca e até a Penha fui feliz. Estudantes entediados entraram no Carrão e foram mirando suas piadas, ditas em voz baixa, em mim. Quanto mais ouvia as piadas, mais vermelho ficava e a careca mais brilhante e branca. Tive que descer antes da Sé por não aguentar mais ser motivo de piada para todos que estavam a volta. Até uma velhinha riu-se toda quando ouviu que o careca parecia um pênis.
Ao chegar no serviço fui abordado por cada pessoa que trabalhava na empresa. Como voa notícia "ruim". A cada minuto alguém chegava para tirar um sarro da minha cara, até que uma das pessoas fez o inevitável: Um Tapa na Careca. Era o que faltava, mas logo no primeiro dia? Pedala Robinho para o Rafael Careca.
O Resto do dia seguiu de forma igual, metrô, trem, ônibus até chegar na faculdade.
Na faculdade foi o inferno em vida. Todas as pessoas comentavam, faziam piadas e vinham querer dar o famoso pedala robinho. Quase entrei em uma briga por causa disso, mas meu objetivo me impediu de reclamar de forma mais dura com qualquer pessoa que me via.
Interessante comentar que apenas uma pessoa, de todas as outras, teve a delicadeza de me perguntar se estava com câncer ou coisa parecida, de uma forma muito amedrontada pela resposta.
Amigos mais próximos indagaram o motivo de fazer esta loucura, mas apenas respondi que tinha que fazer por que queria fazer.
Virei uma celebridade logo no primeiro dia e isso não foi bom, definitivamente, não foi bom. Dormi sem vontade alguma de acordar no outro dia.

Sobre a Saudade

Comecei a contar os fiapinhos de tecido vermelho enganchados na minha roupa. Nossa, como é a saudade, que faz com que até sua vestimenta queira permanecer bem juntinho, sem largar a pessoa querida. Gentilmente separei-os de mim e guardei-os no bolso. Todos sabem o quanto é indelicado jogar fora os fiapinhos de quem se gosta.
Após esta divertida tarefa, minha atenção virou-se para meu ambiente. Uma composição móvel, viajando em linha reta e curva, mas sempre seguindo um trajeto bem definido e já viajado milhares de vezes. Lá fora, viam-se as paisagens modificando-se com o tempo. Um Sol, uma nuvem, o Sol novamente. Verde, Cinza, Verde novamente, Cinza enfim. Pessoas passavam correndo antes que eu pudesse identificar-lhes o semblante, então resolvi olhar para mais perto, para dentro.
Uma moça lia calmamente seu livro, não identificado, pois ela, cuidadosa como era, encapava-os tal qual na sua infância encapava a carteira da escola, após limpá-la com álcool. Sua expressão pouco mudava, mas recordava-me o jeito lindo com que ela me olhava, não ela-moça do livro, mas ela-moça dos fiapinhos vermelhos, que acabara de deixar.
Uma risada de criança fez-me virar o rosto, procurando pelo infante feliz que soltara-a. Minha procura terminou, quando vi um lindo bebê em pé, no colo de seu pai, que orgulhoso de seu lindo menino, fazia caretas que deixava-o risonho. Suas risadas garantiram sorrisos de metade do vagão e é sempre assim quando o assunto é criança. Todos os adultos deixam seus problemas de lado e suas caras sérias, para fazer graça e relembrar momentos. Desde que comecei a pensar em sorrisos, sei que reservo os de maior qualidade para as crianças e não me lembrava de ter sorrido fácil assim para adultos. Ela é a primeira.
Meu caminho torna-se cada vez mais curto e inversamente proporcional, a vontade de tê-la aumenta. Talvez seja uma das únicas vezes em que sinto a distância real das coisas, pois meço-as de acordo com algo que conheço muito bem, o sentimento de saudade.
Sentei-me cansado, pois finalmente o vagão encontrava-se mais vazio. Meu maior problema em sentar cansado é que meus olhos entendem que também devem descansar e acabam por fechar rapidamente. Rapidamente é um modo de dizer, pois nunca sei quando durmo e adentro o ambiente gostoso do sonhar. Ela fazia-me afagos no cabelo, enquanto descansava sobre seu corpo. Seria uma lembrança? Ou seria realmente Sonho? Sua pele macia fazia-me bem aos lábios e sua boca conhecia meu pescoço inteiro. Dançavamos sem parar e tomávamos sorvete na lua. Beijávamos e abraçávamos em sintonia e sincronia. Havia cumplicidade em realizar todas as delícias da vida e era uma cumplicidade nova, algo novo.
Acordei assustado para descer na estação, mas não sem antes suspirar seu nome...

Um pouco de Chico, um de Caetano, um de Gil

E a moça atenta acompanhava-o enquanto seus dedos dedilhavam o instrumento de cordas maltratadas e compassadas, com um pé que não parava de bater e com músculos que se esforçavam em conjunto. O som era alegre e fazia-a sorrir desmedidamente. Seu coração irradiava alegria e a vontade era de chorar e largar seu lugar e correr para seus braços, jogando-o no palco de madeira, sem ligar para a multidão de moças que também observava-o atentamente, cada uma com sua paixão secreta e declarada abertamente nos rostos de todas.
A iluminação amarelo-ouro do local e os vestidos rodados e floridos das moças recebiam gracejos das notas certeiras disparadas pelo violão velho, qual cordas eram tocadas pelos dedos experientes e calejados do artista, que ria-se largamente da beleza de todas elas, percebendo de antemão a quantidade de musas presentes para seus numerosos pedestais de marfim.
Nas memórias de todos ia-se imprimindo um concerto único de beleza pura e sincera, vinda do coração de quem sente demais e não consegue deixar de comunicar ao mundo sua felicidade em viver. Através de versos e sons todos lembrariam-se deste dia para o resto de suas vidas e certamente comunicariam a seus netos, incrédulos do passado, sobre uma das melhores experiências de suas vidas.
O violão calara e o breve silêncio que se dera interrompeu-se à favor de palmas de mãos delicadas e cuidadas, mas não sem vigor de batidas, que cresciam a cada segundo.
Um agradecimento, um bis, outro agradecimento. Uma noite inesquecível.

Estamos em Mim

Deitei ainda com a roupa do corpo. Estava exausto e meus músculos estavam quentes e doiam, inchados. Aos poucos, a respiração ofegante deu lugar à serenidade, acompanhada do barulho das pás do ventilador de teto. Caído ao chão, o braço brincava com a gatinha, que teimava em rodear e miar, entre os dedos da mão. Um sorriso de lado veio, fazendo com que os olhos fechassem-se involuntáriamente, puxando o sorriso com eles. Seguida da calmaria, veio a tempestade do dormir. Um universo novo se abria e o escuro começava a tomar forma. Cores das mais diversas apareciam por todos os lados e comecei a diferenciar cada coisa em meu mundo recente. Um carro passeava de lado, enquanto pássaros nadavam bem abaixo da linha do oceano. Um local onde o verde era chamado de vermelho e o preto de anil. Um lugar dominado por todas as coisas surreais e fantasiosas de nossas mentes.
Ao correr pelo oceano, percebi que pequenos splashes faziam-se compassados atrás de mim e sem desviar o olhar, nem mexer minha cabeça, vi pelo retrovisor que longos cachos esvoaçantes ruivos e curiosos seguiam-me. De sopetão, virei o olhar e parei, esperando o encontrão que levaria do perseguidor. Era um menina linda, deveria ter de oito a nove anos e quicando antes que pudesse analizar mais um pouco, caiu em meu colo, jogando-nos no chão de areia oceânica. Assustada, perguntou-me o número de registro geral três vezes, pois é assim que as pessoas se conhecem e deixam de ser estranhas um as para as outras. Após dizer-lhe todos os números, sem nem parar para pensar o motivo, ela disse-me que não tinha um número, mas que todos chamavam-a por Delírio, mas que podia chamar-lhe de Del. Fiquei feliz por poder usar um apelido, já que todos usavam seu nome, ou codinome, não sei. Vi novamente seu semblante, mas dessa vez parecia diferente. Um olho de cada cor, verde e azul, algumas sardinhas em sua pele branquíssima e um cabelo ruivo bem curtinho, mas não era longo? Ela possuia brincos de peixes vivos, que nadavam enquanto continuavamos a andar e eu a observar. Ela mantinha-se falando em braile, mas eu quase não entendia nada. Paramos para acender uma fogueira e eu pude enfim perguntar-lhe onde estávamos. Ela me olhou perplexa e disse com o olhar mais penetrante que já presenciei: - Estamos em mim.
Acordei com minha gata cheirando-me o nariz. Era hora de ir trabalhar.

O gostoso de sonhar é acordar ainda sentindo cada sensação.

Ata-me as Vontades

O Suor escorria pela face, evaporando rapidamente por causa do calor extremo do corpo. No local, um clima carregado por fumaça e decibéis elevados, rodeados pela respiração ofegante de diversos corpos espalhados. No centro do assunto, um olhar fixo de uma pessoa em outro. Uma linha invisível ligando dois seres, sem saberem ainda ao certo como. Uma bebida, uma conversa breve. Algumas vontades. Um beijo sem aviso. Dois sorrisos. No chão, passos ritmados com a pressão do ar. Na parede, costas encostadas e pressionadas com força e vontade. Desejo de união. Na cabeça, palavras sem nexo e sentido, provavelmente vindas de algum lugar remoto, onde as palavras não necessitam de sentido, só de formato. Na boca, gosto de lascívia. No pescoço, mãos percorrendo o caminho da gravidade. E embora o dia viesse clarear os cantos de penumbras e também as mentes turvas, existia uma cumplicidade desmedida, que fazia os pés caminharem lado à lado, sem cessar, quem sabe para onde acabariam por parar?

Feitos de Traquinagem, Loucuras e Indagações

Lá no alto uma criança vê uma estrela cadente, mas ao contrário do que normalmente acontece, ela passeia pelo céu para cima e para baixo. Não tinha aprendido isso nas aulas de ciência.
Correu para a sua mãe e contou o fato miraculoso. Para uma criança tudo que é novo se transforma em milagre. Como de costume sua mãe não encorajou suas traquinagens e o mandou brincar com seu cão.
A criança, ainda confusa pela resposta negativa da mãe ante a uma descoberta tão importante, correu para o quintal novamente para observar o fenômeno e aproveitar cada segundo.

Lá do alto um menino voa pelas nuvens atravessando-as como se fossem grandes montes de neve. Se atirava lá do alto em uma queda livre para sentir aquele gostoso frio na barriga de quando se está caindo.
Não via porém os olhos que o observavam. Não os da criança maravilhada que já perdera o interesse pela sua bolinha cintilante, mas os de uma menina que o via em seus pensamentos.
De uma nuvem tomou emprestado seu corpo e de pequenas borboletas construiu sua cabeça. Seus cabelos eram feitos de raios solares colhidos a dedo e assim tomou forma um ser eterno. Uma pequena menina. Uns poderiam dizer que era um delírio, mas um dia também fora deleite.

Parou. Sentiu uma presença inesperada atrás de si e como todo bom garoto se escondeu em uma das nuvens para pregar-lhe uma peça. Mal sabia ele que ela é quem o pegaria. Quando pensou que ela passaria, pulou, pulou no vazio.
Quando tentou raciocinar o que tinha acontecido com seu perseguidor, um pequeno vulto pulou em seu colo assustando-o como nunca acontecera antes.

Após passado o susto, o Menino, que morava em uma Terra onde ninguém envelhecia indagou quem seria a pequena garota e ela respondeu que era Delírio, estendendo para ele um dos pés como forma de comprimento. Para não parecer estranho ele também estendeu um dos pés e se apresentou como Peter, Peter da Terra do Nunca.

Em poucos momentos já estavam os dois voando de nuvem em nuvem e se divertindo. Os dois sabiam que seria o começo de algo diferente, porém muito divertido.
Decidiram que voariam pelo espaço, visitando algumas estrelas e se prepararam para tal. Delírio preparou seus Vasos Vazios para presentear os Moradores das Estrelas e Peter se despediu de uma amiga para começar a viagem.
Decidiram partir ao meio dia, quando o sol é mais forte e proporciona maior calor na subida. Assim, quando chegassem ao espaço, poderiam sentir aquela sensação de calor e frio ao mesmo tempo. Voaram por muito tempo, contando as estrelas onde passavam. Não que a conta era feita pelos dois do mesmo modo, já que Delírio insistia em contá-las do Infinito pra zero de forma decrescente. Peter não entendia, mas também não se importava.

Chegaram em um pequeno Planeta onde se via uma pequena Rosa encubada e também dois pequenos vulcões. Pousaram no planeta e de dentro de uma casinha viram sair um menino. Um menino loiro.
Os Três se entreolharam e sem dizer uma só palavra começaram a conversar. Só eles se entendiam.

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Era madrugada. Os corpos moviam-se frenéticos em encontro uns aos outros. No teto, estrelas falsas piscando em desespero. No ar, suor em cheiro. Largos sorrisos fúteis rasgavam o ambiente em tiras de superficialidades declaradas. No canto, um menino assustado. Assustado com a voracidade de um mundo recém-descoberto. Algo move-se em sua direção. Pessoas tocam-lhe a face, o corpo. Puxam-lhe a roupa e seus cabelos. Sussurram obcenidades, enquanto esfregam as mãos em seu peito. Não. Foge. Corre para outro canto, mais vazio, onde consegue observar a multidão. Pessoas amontoadas em um cubículo sonoro e pulsante. No canto também outra pessoa. Essa, comandando a orgia. Com grandes orelhas falsas e um olhar fixo em dois pequenos discos pretos que ligam-se com suas mãos. Movimentos fortes e ritmados em cima dos discos fazem a massa disforme de lascívia se mover. Olhar curioso em cima de tudo. No meio, três pessoas da terra, junto com três pessoas de outras terras. Conversas abafadas, mas perfeitamente não-entendidas. Não sabem se comunicar, ao menos, não verbalmente. Seis mãos em seis corpos. Seis corpos em seis mãos. Espaço curto de tempo-espaço. Saia curta e muito fácil. São seis na rua, seis fugitivos, seis vontades. São seis em fogo. A rua escura propicia mãos invisíveis de sensualidade sem ternura. Incomunicavelmente sexo. Ainda não. Local final de começo de noite. Quartos separados apenas pelo traço. Sons visivelmente misturados. Quem quer quem? Aquém, ninguém. Os pelos se tocam, sem se provar. Gemidos de vontade incontida em peito de cabelo. Animalesco. Toques afobados, afoitos. Amedrontado por saber de tanto. Quanto? Tanto. Coito. Morte da inocência, através da violência. A dor se traduz em visibilidade. Em luz. No ato, um menino perdido e sem tato. No pós, seis dividido em dois. Três pra cá. Três pra lá. Sem comunicação verbal. Sem ligação. Sem sentido. Sem. Era dia.

Você Sente

Você sente quando é e quando não é. Você sente e é estranho. Você se sente e sente estranhamente e não sabe o que fazer pra parar com tudo isso.
É como se tudo tivesse recebido dose cavalar de analgésico e só você estivesse são. Tudo parece estranho. Você se sente um estranho habitando seu próprio corpo, como se a alma estivesse lá fora e você aqui dentro, sabe-se lá por qual domínio ou capricho.
Você sente que se mexe por vontade alheia e não vontade própria e mesmo quando é por vontade própria, parece um teatro, algo fingido ou interpretado.
Você anda, come, bebe. Conversa, ri, se emburrece, e nada disso te ilumina. Você fica cinza e não sai mais dessa cor. Seu brilho se foi, tá longe e não voltará. Assim é como se pensa, como eu penso.
Vá, e deixe-me só, com meu corpo que não é meu, em um mundo que não pertenço. Vá, e leve-me as lembranças.

Sinal Importante

Captou um sinal distante, bem fraco, quase um ponto no monitor verde, que se atualizava de segundo em segundo. Apesar de fraco, era constante e acabou por não passar despercebido dos olhos atentos do cientista.
Custava a acreditar no que estava vendo, mas automaticamente começou a anotar todas as coordenadas, como costumava a fazer extenuamente em simulações, por diversão. Anotou e correu para o telefone, que ficava empoeirado, de tanto não-uso, em cima de uma mesa cheia de papéis antes importantes, transformados em papéis de rascunho. O telefone não possuía modo de discagem, pois se ligava diretamente com o telefone da importância nacional mais bem protegida, o presidente.
Após palavras balbuciadas, começou a explicar a situação, do modo mais claro possível. O caso mais improvável possível acontecera, Ele tinha sido achado!
Correria para todos os lados. Uns diziam que Ele era onisciênte e que sabia de seus planos, por isso fugiam pedindo clemência. Outros riam do Senhor e mostravam como conseguiram tal façanha, diminuindo os poderes Dele para poderes rasos. Quaisquer que fossem as ações de todos, nada disso importava, quem tomaria decisões era o presidente. Resolveu, com seus assessores, iniciar o diálogo com uma pergunta, e assim foi.
- Qual o motivo de ter criado a Humanidade? - Um chiado e uma breve resposta.
- Nenhum, acho que Tédio.
Após isso, somente o barulho do silêncio.

Caminhos Douradouros

E enquanto seus cabelos creciam, uma vontade de rever sua terra também aumentava. E assim deu que no inverno do mesmo ano, que não estava assim tão longe, partiu sozinha, com seus longos cachos enrolados em seda, que carregava em pacotes entre seus braços.
Atravassou grandes planícies, onde seu corpo se alegrava em caminhar e também por grandes morros, que a faziam suar e maldizer o tempo, sempre ensolarado.
Caminhando sozinha e sem ninguém a abservar, andou por muitas e muitas milhas, só começando a se cansar após muitos Sóis passados. Aos poucos, sua face ruborizou-se e seus longos cachos loiros pareciam pesar mais e mais em suas mãos. Em pouco tempo, ela sentiu que teria que abandonar seus queridos pacotes de seda, ou então sua vida. Decidiu pelos pacotes e assim prosseguiu. Desenrolou e deixou-os soltos sobre a planície. Seguiu ainda por muito tempo, enquanto seus cabelos iam se esticando sobre o solo.
Sabe-se pouco sobre o resto da história, pois seu caminho talkvez perdure pela eternidade, mas seus longos cabelos ainda podem ser vistos e trilhados, e são chamados hoje de Estrada de Tijolos Amarelos.

Palavras Sonâmbulas

Eu escrevo dormindo. Não, eu não acredito em psicografia, apesar de também não desacreditar. Não ligo pra isso. Apenas começo a escrever algo interessante e vou escrevendo e escrevendo e quando percebo, dormi. Dormi e continuei a escrever. Não acordo sabendo o que escrevi, por isso leio e releio pra entender, mas na maioria das vezes sai algo legal.
Certa vez comecei a escrever um drama, cambaleei de sono e após isso acordei assustado. Após ler o texto, vi que se tratava de uma comédia, das bem engraçadas por sinal. vai etender este cérebro.
Comecei a escrever bem cedo, ainda no ventre da mamãe. Ela dizia-me que eu ficava lá riscando as paredes do utero, acho que deixando mensagens para os que vierem depois de mim, ou algo assim. Sei que a primeira lembrança que tenho de mim escrevendo, foi quando descobri o guache de parede. Ah, que época. Usar o guache pra pintar tudo pela frente. Escrevia sonetos que só eu entendia e ficava maravilhoso. Foi mais ou menos nessa época que descobri que as pessoas me olhavam estranho.
Continuando, eu escrevo dormindo. Acho que isso já me causou muitos problemas, pois certa vez, estava dormindo na casa de uma namorada e quando acordamos, no outro dia, ela estava toda riscada de caneta bic preta. Eu tinha avisado-a para não deixar canetas perto de mim, mas não me ouviu, bem feito. Teve de tomar banho de álcool.
Não tenho preferência de modalidade de escrita, pois escrevo de tudo, acordado e dormindo. Já fiz poema decassílabo acordado e verso em prosa dormindo. Conteúdo é só detalhe.
As pessoas teimam em dizer que é tudo fachada, que eu dou um jeito de escrever acordado, mas com os olhos fechados. Oras, só porque não estão na minha cabeça, não quer dizer que podem pensar o que quiserem. Já pensou se eu coloco na cabeça que eles todos possuem geléia de morango invés de cérebros? Bem, eu não ligo, pois elas, após um tempo, descobrem que é tudo verdade e assim não me amolam mais. Geralmente demora 1 semana para elas perceberem. Não demora menos, pois acreditam que fiquei acordado o tempo todo. Só quando me vêem dormindo de verdade, é que entendem que eu não sou charlatão.
Nunca fui indicado ao oscar, nunca ganhei um pullitzer, nunca um globo de ouro, cannes, nem mesmo medalha de colégio para meus feitos, pois parece-me que ninguém precisa de alguém que faz o que faço. Minto, sempre consegui emprego fácil na área de Digitalização de Documentos, pois poderia dormir e continuar trabalhando.
Certo tempo consegui para mim, aí entra ironia, alguns seguidores. Eles me adoravam, diziam que era o novo messias e se derrubavam aos meus pés, pedindo cura para alguma coisa. Eu sempre entendia isso como mendigagem e dáva-lhes lições de moral. Nunca entendiam, só sabia concordar e sorrir, indicando que eu seria o Senhor deles. Oras, vão pentear cabeça de macaco, eu lá quero saber dos problemas de um Senhor? Tenho mais o que fazer.
Nunca tive tendinite, se é que se perguntam sobre isso, pois até dormindo faço alongamentos e aquecimentos na mão. Tenho braços fortes por causa disso, apesar dos antebraços serem mais fortes que o bíceps ou tríceps. Meus dois braços são mais longos, as vezes me lembrando um grande orangotango, apesar de não ser laranja. Isso ajuda a alcançar lugares mais altos, para escrever.
Qualquer dia escrevo sobre você. Ou sob você.
Descobri que escrevo dormindo e acho que isso tudo é muito engraçado. Espere até eu acordar para ler isso!