quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Diário de um Careca

O Começo

Estava livre, todos aqueles quilos de cabelo tinham ido embora, com eles, toda minha esperança de ser reparado pelas pessoas por ter um cabelo bonito.
Livre, pois ter cabelo implica em diversos grilhões, shampoos, condicionadores, pentes, tempo em frente a espelhos, olha daqui e olha dali. Tempo perdido fazendo arte com cabelo.
Nada mais tinha na cabeça quando decidi pegar a tesoura e cortar a auto-estima só pelo prazer da experimentação. Olhando meu reflexo segurando a tesoura, incorporei outro Eu e com delicadeza fui separando cada mecha do cabelo, cortando pedaços de mim que fariam falta um dia. Vendo-as se separar de mim, bateu aquela onda de arrependimento de ter feito algo errado, mas já não tinha volta e em frente fui, deixando ralo o cabelo que um dia fora extenso. Com a gilete comprada para depilar as pernas de minhas irmãs acabei com o que ainda sobrava, ouvindo o barulho característico da dor capilar sendo raspado de mim.
Agora mirava um ser diferente, um novo eu que teria que aguentar para colocar em prática o que estava determinado a fazer.

O Plano

Como será a vida de um careca que não era careca? Verei a cada dia como esse novo mundo se abre para mim.

1º Dia

Acordei já pensando na besteira que tinha feito. Que idéia idiota a de raspar a cabeça, como ia sobreviver com todas as pessoas me olhando de forma estranha? Escovava os dentes enquanto passava a mão no topo nu de mim mesmo. Branco, branco e feio. Era como definia.
Ao sair de casa um vento gelado me arrepiou cada pedaço de ser, como alguém conseguia andar na rua desse jeito? Por causa da maldita experimentação prometi não usar nenhum adorno que escondesse o que queria e implorava esconder.
No ônibus que pego para ir até o metrô veio a primeira chacota, um garotinho que estava com a mão não escondeu a risada após ver o "Dr Pimpolho" em carne e osso. Maldito menino.
Chegando ao metrô me senti mais confiante, tinha muita gente preocupada com seus próprios umbigos para perceber minha careca e até a Penha fui feliz. Estudantes entediados entraram no Carrão e foram mirando suas piadas, ditas em voz baixa, em mim. Quanto mais ouvia as piadas, mais vermelho ficava e a careca mais brilhante e branca. Tive que descer antes da Sé por não aguentar mais ser motivo de piada para todos que estavam a volta. Até uma velhinha riu-se toda quando ouviu que o careca parecia um pênis.
Ao chegar no serviço fui abordado por cada pessoa que trabalhava na empresa. Como voa notícia "ruim". A cada minuto alguém chegava para tirar um sarro da minha cara, até que uma das pessoas fez o inevitável: Um Tapa na Careca. Era o que faltava, mas logo no primeiro dia? Pedala Robinho para o Rafael Careca.
O Resto do dia seguiu de forma igual, metrô, trem, ônibus até chegar na faculdade.
Na faculdade foi o inferno em vida. Todas as pessoas comentavam, faziam piadas e vinham querer dar o famoso pedala robinho. Quase entrei em uma briga por causa disso, mas meu objetivo me impediu de reclamar de forma mais dura com qualquer pessoa que me via.
Interessante comentar que apenas uma pessoa, de todas as outras, teve a delicadeza de me perguntar se estava com câncer ou coisa parecida, de uma forma muito amedrontada pela resposta.
Amigos mais próximos indagaram o motivo de fazer esta loucura, mas apenas respondi que tinha que fazer por que queria fazer.
Virei uma celebridade logo no primeiro dia e isso não foi bom, definitivamente, não foi bom. Dormi sem vontade alguma de acordar no outro dia.

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